NÓS MATAMOS O TEMPO, MAS ELE NOS ENTERRA

sexta-feira, 20 de maio de 2011

DESOBEDIÊNCIA


Era inverno naquela época do ano, e por assim dizer, nevava muito, tornando a sensação de fria cada vez mais intensa naquela pele delicada. Filha de lenhadores morava então, em meio às árvores e os animais. Seu pai não gostava da ideia de ver sua amada e única filha, tão jovem, perambular por aqueles cantos, com animais ferozes, mas a garotinha adorava contemplar as gotas de água congelada nos galhos dos enormes pinheiros.

O céu nublado apresentava uma aparência melancólica, e cada vez mais a escuridão se jogava por cima da neve, uma rajada de vento cortava o ar, na direção de Isabel, que se obrigava a encolher seu corpo, diminuindo notavelmente a velocidade de seus pequenos passos, até parar. Olhava para os lados, mas não enxergava nada, a neblina era muito espessa.
Ali por perto, sentado em um tronco de pinheiro, derrubado entre a neve, que o tornara esbranquiçado, estava um velho lenhador, que aparentava ter em torno de cinquenta anos. Seus cabelos, longos e rebeldes, caiam na altura dos ombros. Os traços de seu rosto, perante a pouca luminosidade disposta, passava a ideia de não ter pensamentos amistosos, o poderoso machado jogado aos seus pés, reluzindo, não passava segurança para quem olhasse.
Relaxado, porém, atento a qualquer movimento suspeito, a figura retirava pequenos flocos de neve de seu rosto, que teimavam incomodá-lo.
De repente, ele se coloca em estado de alerta, levantando num salto, observando com os olhos estreitos, ao seu redor, e quando confirmou que ouvia passos à distância, vindos em sua direção, abaixou-se e tomou seu machado em mãos, em posição de ataque, começou uma cautelosa caminhada em direção ao ser que se aproximava cada vez mais, agora com passos frenéticos.
Fez-se um singelo silêncio, atiçando a curiosidade do homem. Olhou novamente ao seu redor, foi quando ouviu um grito estridente, apavorado, uma sucessão de passos, agora de duas criaturas, vindo definitivamente em seu encontro.
Esperou em posição de ataque. Com o machado, que muito bem sabia manejar, ninguém passaria inteiro por ele assim tão cedo se quisesse atacá-lo.
A cena que viu foi desoladora, uma criança, frágil por sinal, correndo desesperada, entre tropeços e soluços, para tentar salvar sua vida, que parecia nada ter de resistência diante do urso que a perseguia com determinação, pois seu estômago parecia doer de fome, e com o frio, não iria sobreviver por muito tempo.
Com o machado erguido pelas duas mãos, correu em disparada na direção do urso, mas à medida que foi se aproximando, reconheceu o rosto, os cabelos de sua filha, que novamente o havia desobedecido. Ao passar os olhos pela figura ameaçadora do urso, sentiu seu sangue ferver de ira, e o instinto selvagem que adquiriu naquela mata fez partir para cima, acontecesse o deveria de acontecer.
Uma poderosa rajada de vento o fez se desequilibrar bastante para tropeçar e cair aos pés da fera, que rugiu de satisfação. Isabel, apavorada, via-se incapacitada, tentava ajudar seu pai, mas não tinha força o suficiente, seu corpinho franzino só ia lhe perturbar.
Porém, mais que depressa, o homem retomou sua postura de ataque, agora mais cauteloso, e vendo o urso distraído com os gritos de sua filha, desferiu um golpe certeiro e preciso nas têmporas do animal, que urrou desesperado, incomodando os animais que descansavam. Pássaros voavam assustados.
Pai e filha recuperavam-se do grito ensurdecedor, enquanto assistiam o corpo mole do urso cair por terra.
Literalmente haviam saído de uma fria.
Uma calmaria tomou conta da mata, os flocos de neve cobriam lentamente as costas do lenhador, que envolvia sua filha em seus braços, emocionado, em choque, sem palavras.
Passado o susto inicial, ambos tomaram o caminho de casa.

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